4. Sónia Monteiro – Amputações e cicatrizes: uma conversa sobre o perdão – Um azulejo fora do sítio
O perdão, na sua essência, é um ato de graça — uma dádiva de reconciliação diante da transgressão: promete libertação, não apenas para o infractor, mas sobretudo para a vítima, vergada pelo peso do ressentimento ou da tristeza. Por trás desta aparente simplicidade, no entanto, palpita um profundo paradoxo, pois o perdão, enquanto acto absoluto e incondicional, parece impossível.No cerne da impossibilidade do perdão, jaz a irreversibilidade do dano. Perdoar não significa elidir, mas testemunhar aquilo que foi feito — aquele erro que alterou permanentemente a existência. O tempo não cura feridas; cobre-as com sedimentos de memória. A cicatriz permanece e, com ela, o lembrete de que o passado não pode ser desfeito. O perdão, portanto, não absolve; apenas nos permite coexistir com uma realidade imutável.Como pode, então, alguém perdoar um acto que recompôs totalmente os contornos da sua vida? A própria ideia de perdão parece frágil diante da permanência inflexível de certos danos.Será o perdão uma vertigem, um salto? Atracção pelo abismo ou mergulho? Atiramo-nos juntos? Deixem as braçadeiras em casa e saltemos, pois, para as águas fundas do perdão... Tentaremos umas braçadas em mar alto, sob o olhar vigilante da Sónia Monteiro, com quem – por entre sandálias e o Pequod, amputações e Jankélévitch – tentaremos perceber, chegando ao areal, a que sabem as alfarrobas dos porcos.Um podcast da Capela de Santa Marta (Lisboa), com a assinatura de Paulo Ramos.Siga-nos no canal WhatsApp e no instagram.© Pascal Comelade, El Pianista del Antifaz (Because Music, 2013) – Spinoza Was a Soul Garagist.