Apagão parou dois países, mas não aconteceu nada do outro mundo
Uma falha global na rede de distribuição de energia eléctrica capaz de parar dois países da Europa do século XXI parece uma invenção digna da melhor ficção científica. Mas por vezes a realidade está para lá da ficção e o apagão de ontem aconteceu. E aconteceu não por causa de um cataclismo natural, de um ataque terrorista ou de um erro humano de escala improvável: aconteceu porque, dizem os especialistas, coisas destas podem acontecer. Quando se gere um sistema com centenas de milhões de pontos de consumo alimentados por centenas de pontos de produção, os riscos de haver uma falha entre a oferta e a procura de energia são, afinal, maiores do que se suspeitava. Não se sabe ainda ao certo o que aconteceu, mas tudo indica que o acontecimento extraordinário desta segunda-feira possa ter sido determinado por um fenómeno tão banal, embora numa escala gigantesca, como os disparos lá em casa quando há uma sobrecarga na tensão eléctrica ou um curto-circuito. Mais importante agora é dar conta que portugueses e espanhóis foram afectados por uma fragilidade do sistema que é urgente corrigir. Não houve danos de maior na sociedade ou na economia, não é a primeira vez que apagões acontecem no Brasil, no Chile ou nos Estados Unidos, mas sempre que há incidentes desta escala é necessário tirar daí lições. Os especialistas que têm aparecido nos jornais e nas televisões deixaram no ar recomendações que vão desde a revisão das ligações a Espanha, as supostas vulnerabilidades pela retirada de produção de grupos geradores nacionais sempre que é mais barato comprar energia lá fora ou a urgência em rever a religação entre o sistema que produz e a rede de distribuição de electricidade. É talvez neste ponto que tem havido mais polémica e mais consenso. Quando há um apagão em Portugal só há duas centrais de produção que podem injectar energia na rede para recomeçar as ligações e a normalidade: Tapada do Outeiro e a barragem do Castelo de Bode. O Governo já defendeu a necessidade de dobrar essa capacidade de reinício da produção, juntando as barragens do Alqueva e do Baixo Sabor. Entre falhas e uma capacidade global de resposta que mostrou maturidade cívica e a solidariedade do costume, vale a pena saber o que pode ter acontecido e que lições podemos e devemos tirar do incidente que, ficámos a saber, pode acontecer de novo no futuro. Para obter essas respostas, convidámos para este episódio João Peças Lopes, professor catedrático da Faculdade de Engenharia do Porto, director da comissão científica do programa de doutoramentos em Sistemas de Engenharia Sustentável e coordenador e director da unidade TEC4 Energy, no INESC TEC também no Porto.See omnystudio.com/listener for privacy information.