A dura realidade: se não for gerida e rentável, a floresta portuguesa vai continuar a arder
No ano passado, depois da espiral descontrolada de fogo entre 15 a 21 de Setembro, o primeiro-ministro tratou de acalmar o país encontrando no incendiarismo o bode expiatório da desgraça nacional de todos os verões. Esta semana, perante o avanço das chamas em Ponte da Barca, Arouca ou Nisa, a ministra da Administração Interna optou por outra verdade incompleta: ter mais ou menos aviões no combate em Ponte da Barca pouca diferença faz. Certo: o fogo posto representa 84% da área ardida depois de 2017, é verdade; e por mais aviões a descarregar água que haja, há incêndios ingeríveis, como vimos em 2017, em 2024 e, numa escala menor, estamos a ver por estes dias. O que obriga a uma pergunta desconfortável, mas obrigatória: o drama anual dos fogos do Verão é para durar e nada o consegue travar? Ou, por outras palavras, não estará a sociedade portuguesa a tapar o céu com uma peneira, continuando a acreditar que os meios de combate ou a prevenção conseguem debelar os problemas estruturais da floresta? Tome nota de uma realidade incómoda: boa parte da floresta não tem sequer dono conhecido. Como se percebeu em Setembro do ano passado e já se tinha percebido nas tragédias de 2017, há momentos em que a conjugação do clima com a natureza da floresta tornam a destruição impossível de travar. Porque, sim, por muito que os ecrãs das televisões se encham por estes dias de especialistas de dedo apontado aos governos ou aos bombeiros, a verdade é que Portugal evoluiu imenso no desenvolvimento de uma estratégia de combate aos fogos. A Agência para Gestão Integrada dos Fogos Rurais, liderada por um especialista de classe mundial, Tiago Oliveira, tem imenso trabalho para mostrar. Depois de 2021, o país passou a investir mais na prevenção do que no combate. O número de ocorrências diminuiu. A área ardida também. No ano passado, só para se ter uma ideia, Portugal aplicou 638 milhões de euros para remediar os estragos do fogo. Só que… só que com uma parte da floresta ao abandono e com o agravamento da crise climática, todo esse saber e esse esforço se dirige para o controlo de danos. Todos nós temos provas mais do que evidentes que, em situações extremas, o fogo é imparável. Quer isto dizer que, de uma vez por todas, temos de encarar a realidade, deixar de acreditar que é possível proteger toda a nossa floresta? Estará na hora de proteger a todo o custo as manchas mais importantes e deixar que a natureza siga o seu caminho? Perguntas difíceis, perturbadoras, que queremos discutir com Miguel Miranda, geofísico, catedrático jubilado da Universidade de Lisboa e ex-presidente do IPMA, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera.See omnystudio.com/listener for privacy information.